Da Vinci: “O Gênio Universal”

Texto feito por Josikwylkson Costa Brito e Pablo Emmanuel Nunes, ambos que, atualmente, cursam o terceiro período de medicina na UNIFACISA.

Mona Lisa. A Gioconda. Esses nomes são usados para referir-se, talvez, à pintura mais conhecida de todo o mundo, que, além de fama e prestígio, carrega enigmas desafiadores em sua métrica, seus traços e seus propósitos. A presença de tais enigmas não é tão surpreendente caso se conheça a genialidade e a mente do autor da obra, que, provavelmente, tenha sido um dos homens mais brilhantes que a humanidade já pôde conhecer: Leonardo da Vinci.

Da Vinci era um desbravador, estava onde tivesse conhecimento, atingindo, com seus trabalhos, quase todas as barreiras e expandindo os limites dos saberes em cada uma delas, razão pela qual alguns historiadores referem-se a ele como “O Gênio Universal”. Antes, surpreendia-me com todos os locais em que eu pudesse encontrar o seu nome; hoje, não mais o faço, uma vez que isso já é esperado.

Nascido a 15 de Abril de 1452, em Anchiano, na pequena cidade de Vinci, pertencente à região de Florença (Itália), durante a época do Renascimento (período caracterizado pelo antropocentrismo e pelo estudo das filosofia, mitologia e ciência), da Vinci estudou as leis da ciência e da natureza, foi pintor, músico, escultor, arquiteto, inventor, desenhista, engenheiro militar e um autêntico futurista. Talvez, sua vida profissional tenha muito a agradecer a Verrocchio, homem que começou a orientá-lo desde os 14 anos, sobre as mais diversas artes e conhecimentos, como aprendiz no seu ateliê. Desde cedo, o jovem artista teve a oportunidade de trabalhar com diversos materiais, como o couro e o metal, e de começar a utilizar técnicas artísticas de desenho, pintura, escultura e modelagem, oportunidades estas que foram fundamentais para a sua vida artística, pois foram-lhe ensinadas logo na juventude. Leonardo revelou-se um excelente aprendiz e, mais tarde, passou a ser assistente do seu mestre, tendo colaborado com ele em algumas obras, como por exemplo “O Baptismo de Cristo”. Há, inclusive, dados que provam que grande parte das obras produzidas no ateliê de Verrocchio eram criações dos seus funcionários. Uma vez que Verrocchio tinha Leonardo em grande consideração e reconhecia o seu enorme talento, há suposições que indicam que este seu aprendiz serviu de modelo para a estátua de bronze de “David” e para a figura do arcanjo presente na obra “Tobias e o Anjo” (ambas da autoria de Verrocchio).

Em 1472, tendo vinte anos de idade, Leonardo associou-se à Guilda de São Lucas, guilda esta que consistia numa espécie de corporação de artistas e doutores em medicina, na qual todos os membros da associação se entreajudavam perante situações de maior dificuldade. Leonardo passa, assim, a fazer parte do círculo de pintores de Florença. Foi também por volta desta altura que Leonardo conseguiu, com a ajuda do seu pai, construir o seu próprio ateliê/oficina. No entanto, continuou a estabelecer relações com Verrocchio, tendo colaborado com ele. Uma vez que Verrocchio trabalhava na corte de Lorenzo de Médici, um grande mecenas italiano, Leonardo teve a fantástica oportunidade de, através do seu mestre, mostrar as suas obras à corte do mecenas, o que lhe trouxe bastantes encomendas. É desta época que surge a primeira obra da autoria de Leonardo da Vinci, um desenho do vale do rio Arno, feito com pena e tinta e que está datado de 5 de Agosto de 1473.

Em 1482 Leonardo partiu rumo a Milão, onde viria a ficar até ao ano 1499. O motivo da sua partida está relacionado com uma lira de prata, em forma de cabeça de cavalo, que ele próprio concebeu. Esta lira foi um presente de Lorenzo de Médici para Ludovico Sforza (duque de Milão), como meio de selar a paz entre ambos. A tarefa de levar esta prenda até Milão coube a Leonardo. Foi neste período em que esteve em Milão que, a pedido da Confraria da Imaculada Conceição, pintou “Virgem dos Rochedos” e, para o mosteiro de Santa Maria delle Grazie, criou “A Última Ceia” – obra que só viria a concluir em 1497 e que seria considerada um exemplo de penetração psicológica e de subtileza de expressão.

Em 1499, aquando do início da II Guerra Italiana e das várias invasões das tropas francesas de Luís XII, deu-se a destituição de Ludovico Sforza do cargo de duque de Milão. Face à queda do seu “mentor”, Leonardo decidiu fugir, acompanhado do seu assistente Salai e do seu amigo e matemático Luca Pacioli, rumo a Veneza. Chegado a esta nova cidade, onde ficou instalado no mosteiro da Santíssima Annunziata, o artista arranjou emprego como arquiteto e engenheiro militar, sendo que muitos dos seus métodos e planos ajudaram a defender o território de um ataque naval.

No ano 1503, Leonardo regressou a Florença, tendo começado neste ano a sua mais famosa criação, a obra de arte “Mona Lisa” ou “La Gioconda” – retrato este que se supõe ter-lhe sido encomendado pelo rico comerciante florentino Francesco del Giocondo, esposo de Lisa Gherardini (a mulher representada no quadro). Em 1507, o artista terminou esta sua obra-prima, na qual exprimiu a sua técnica de sfumato sob a melhor forma de todo o seu reportório.

Em 1516, Leonardo da Vinci começou a servir Francisco I da França, rei este que lhe concedeu o solar de Clos Lucé, próximo da sua residência no castelo de Amboise. Foi lá que o génio passou os seus restantes três anos de vida, acompanhado pelo seu aprendiz e amigo, o conde Francesco Melzi, sendo que ambos eram sustentados por uma pensão anual de dez mil escudos. A 2 de Maio de 1519, Leonardo da Vinci morre, sendo o seu corpo enterrado na Capela de Saint-Hubert, no Castelo de Amboise.

Por mais que da Vinci tenha realizado grandes feitos e sem deixar de reconhecê-los, em virtude do conteúdo do website e da abordagem disciplinar objetiva e direta, o foco principal será destinado a sua sublime contribuição para a anatomia humana. Imagine, leitor, o quão relevante é um homem ao seu trabalho quando possui uma invejável inteligência; agora, multiplique tal inteligência por 10 e some-a com uma exímia capacidade artística e com um vasto conhecimento matemático e arquitetônico, que promovia a capacidade de fazer desenhos com proporções e métricas à margem da perfeição. Resumir a genialidade desse homem em um cálculo matemático é uma pretensão excessiva e simplista, é claro, mas foi a única maneira que consegui para constatar uma introdução à relevância do da Vinci à medicina moderna. Entretanto, caso minha estratégia discursiva não tenha sido o suficiente, espero que o leitor seja convencido da inteligência sobre-humana do artista ao ler o restante do texto.

Mas, antes de prosseguir, que tal apresentar uma das obras mais conhecidas de da Vinci e que é extremamente pertinente para fundamentar uma introdução ao seu estudo da anatomia?

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Figura 1

Com nome de “Homem Vitruviano”, essa obra foi desenhada visando detalhar como seriam as proporções matemáticas do corpo humano sob a ótica do arquiteto romano Vitruvius. Da Vinci tinha um talento excepcional para usar estratégias artísticas do tipo, razão pela qual seus desenhos obtinham proporções incríveis, como, por exemplo, em “A Última Ceia”.

Eis algumas das exigências seguidas por da Vinci em seu desenho:

  1. O comprimento dos braços abertos de um homem (envergadura dos braços) é igual à sua altura.
  2. A distância entre a linha de cabelo na testa e o fundo do queixo é um décimo da altura de um homem.
  3. A distância entre o topo da cabeça e o fundo do queixo é um oitavo da altura de um homem.
  4. A distância entre o fundo do pescoço e a linha de cabelo na testa é um sexto da altura de um homem.
  5. O comprimento máximo nos ombros é um quarto da altura de um homem.
  6. A distância entre a o meio do peito e o topo da cabeça é um quarto da altura de um homem.
  7. A distância entre o cotovelo e a ponta da mão é um quarto da altura de um homem.
  8. A distância entre o cotovelo e a axila é um oitavo da altura de um homem.
  9. O comprimento da mão é um décimo da altura de um homem.
  10. A distância entre o fundo do queixo e o nariz é um terço do comprimento do rosto.
  11. A distância entre a linha de cabelo na testa e as sobrancelhas é um terço do comprimento do rosto.
  12. O comprimento da orelha é um terço do da face.
  13. O comprimento do pé é um sexto da altura.

O Homem Vitruviano teve uma importância tão grande que serviu e serve de exemplo por todo o mundo para representar o equilíbrio, a estabilidade e as proporções matemáticas. Coincidentemente, na UNIFACISA, a Liga Acadêmica de Anatomia Orientada para a Clínica Cirúrgica (LAAOCCI), integrada por um dos autores deste texto (Josikwylkson), homenageia da Vinci em seu logotipo:

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Figura 2

Uma curiosidade sobre o “Homem Vitruviano” é que, talvez, ele possua uma hérnia inguinal, segundo Hutan Ashrafian, professor de cirurgia no Colégio Imperial de Londres.

A ligação do artista com a medicina começou com a leitura de autores pré-renascentistas como Galeno de Pérgamo (129-200) Avicena(980-1037) e Mondino dei Luzzi(1270-132) e, com base nisso, fez ilustrações dos sistemas antomofuncionais humanos. Leonardo fez uma parceria com Marcantonio Della Torre, jovem cirurgião que lhe provia o conhecimento médico, enquanto havia uma troca pelo seu conhecimento artístico.

Em suas figuras, era frequente o uso de roldanas e engrenagens para compreender melhor o funcionamento dos movimentos e das estruturas. Ele utilizava de secções transversais, planos exploratórios. Destacava e detalhava as partes mais importantes. Ele também utilizou suas habilidades como escultor ao preencher os ventrículos cerebrais com parafina, facilitou a dissecção. Foi um aventureiro, pois, naquela época, algumas estruturas nem eram nomeadas. Se suas figuras tivessem sido publicadas em seu tempo, seriam pelo menos 20 anos antes que o ilustre belga Andreas Vesalius, considerado o “Pai da Anatomia Moderna”, publicasse seu histórico livro De Humani Corporis Fábrica em 1543, o que revolucionaria a medicina da época.

O grande “artista-anatomista” desvendava os detalhes da beleza e complexidade do corpo humano e traduzia – em desenhos, gravuras, esquemas e pinturas – a mais bela obra de arte divina: cada um de nós. Ele misturou as artes plásticas com arte médica e utilizando técnicas da arquitetura, engenharia, do desenho técnico. Foi um visionário em vários aspectos, e com certeza, um indivíduo que vislumbrava além de seu próprio tempo, razão pelo qual é aclamado, além de suas outras causas, como um homem futurista, com uma mente à frente dos que os cercavam. Sua genialidade atemporal inspira a todos nós, pois além de decorar a anatomia, podemos apreciá-la como obra de arte.

Quando consideramos a vasta coleção de desenhos anatômicos de Leonardo, ficamos maravilhados com sua grande exatidão e beleza artística e torna-se fácil perceber quão revolucionários eles eram na época. Mesmo nos melhores manuais de anatomia da época, os órgãos e tecidos internos eram mostrados apenas de maneira esquemática ou simbólica. Da Vinci, ao contrário, representava as várias partes do corpo realisticamente, com suas formas e corretas e posições relativas mostradas de vários ângulos e no contexto do corpo como um todo. O historiador Domenico Laurenza, em seu livro Leonardo: L’anatomia, publicado em 2009, reconstitui cuidadosamente o modo como da Vinci se movia entre os textos clássicos e era influenciado por suas visualizações anatômicas, que acabou por revolucionar.

A integração de arte e ciência já é notória em seus primeiros estudos de anatomia. Segundo Laurenza, o jovem Leonardo conheceu duas escolas anatômicas diferentes surgidas durante o Renascimento italiano: a “anatomia dos artistas” e a “anatomia do doutores”. A primeira se concentrava em Florença, a segunda em Milão e Pavia.

Muitos artistas florentinos, na Renascença, tinham profundo interesse pelo estudo anatômico dos músculos, a fim de reproduzir os gestos e movimentos do corpo humano – especialmente os de figuras heroicas e vigorosas – de maneiras realista e expressiva. Se Michelangelo é tido como o artista mais destacado dessa escola, um de seus antigos representantes, que exerceu grande influência foi o pintor e escultor Antonio del Pollaiolo, cujos estudos e pinturas de nus musculosos foram amplamente copiados e se tornaram modelos importantes para outros artistas. Há registros que Leonardo acompanhava as dissecções realizadas por Pollaiolo.

Na bottega de Verrochio, modelos em gessos de membros humanos eram feitos para estudo na anatomia superficial dos músculos. Na sua pintura São Jerônimo (c. 1480), Leonardo demostrou um considerável conhecimento da anatomia superficial dos músculos.

Os contatos de Leonardo com a “anatomia dos doutores” também começaram durante a sua juventude em Florença. Aos 20 anos de idade, ele já havia completado seu aprendizado, sendo reconhecido como mestre pintor e admitido na sociedade dos pintores conhecida como Compagnia di San Luca. Curiosamente, essa sociedade incluía médicos e farmacêuticos, e funcionava no hospital de Santa Maria Nuova. Para Leonardo, foi o início de uma longa ligação com o hospital. Por muitos anos, ele usou a sociedade como um banco para suas economias e, graças a frequentes visitas a Santa Maria Nuova, teve inúmeras oportunidades de conviver com alguns dos principais médicos e anatomistas de Florença.

O envolvimento de Leonardo com a anatomia dos doutores intensificou-se depois de sua mudança para Milão em 1482, quando estava com 30 anos. Na corte dos Sforza, ele deparou com uma cultura que ra muito mais intelectual que artística. Estava ligada às grandes universidade do norte da Itália, especialmente a Universidade de Pavia, que abrigava as melhores escolas de medicina da época.

OS TEXTOS MÉDICOS CLÁSSICOS

Durante a Renascença italiana, o ensino médico nas grandes universidades apoiava-se nos textos clássicos de Hipócrates, Galeno e Avicena. Muitos professores interpretavam os clássicos sem questioná-los ou compará-los com a experiência clínica.

Leonardo estudou em profundidade os textos médicos clássicos, mas diferia cabalmente de seus colegas renascentistas por não aceitar sem crítica os pronunciamentos dessas autoridades. Em seus estudos anatômicos, ele começa geralmente por resumos das lições dos clássicos, em seguida punha à prova os textos clássicos com suas próprias dissecções e, assim fazendo, não hesitava em contestar as autoridades corrigindo-as e acrescentando as novas estruturas anatômicas que havia descoberto.

Alguns livros utilizados por Da Vinci eram: De Usu Partium, de Galeno, O Cânone da Medicina, de Avicena, e A Anatomia, de Mondino. Antes da publicação do Fasciculus Medicinae, de Mondino, os textos médicos não eram ilustrados, mas, em alguns deles, uma gravura separada era inserida ao final do tratado, às vezes de autoria de um leitor subsequente do texto.

Leonardo revolucionou essa relação entre texto e figura dando prioridade à imagem visual em seus desenhos anatômicos. Os textos que as acompanham são secundários, muitas vezes limitados a títulos explicativos, quando não estão totalmente ausentes. Os desenhos anatômicos de Leonardo eram tão radicais na concepção que permaneceram inigualados até o fim do século XVIII, cerca de trezentos anos depois.

DESENHOS ANATÔMICOS E DISSECÇÕES

A inversão da relação entre texto e figura não foi o único aspecto revolucionário nos desenhos anatômicos de Leonardo, ele introduziu inovações como as estruturas anatômicas mostradas de diferentes perspectivas. Nenhum de seus predecessores ou contemporâneos sequer se aproximou dele em tamanha minúcia, exatidão e sofisticação.

Da Vinci escreveu em sua obra De Figura Umana: “Assim, graças a meu plano, ireis conhecer cada parte e cada todo por meio da demonstração de três aspectos diferentes de cada parte. Pois, vista cada parte de frente, com alguns nervos, tendões e veis que nascem do lado que estiveste observando, a mesma parte será mostrada de flanco ou de trás, tal como se a mantivésseis na mão e virásseis de um lado para o outro até obter pleno conhecimento daquilo que queríeis conhecer”.

Na mesma página, Da Vinci nos faz um vívido relato das péssimas condições em que tinha de trabalhar. Como se não existissem produtos químicos para conversar os cadáveres, estes começavam a se decompor antes que ele tivesse tempo de examiná-los e desenhá-los adequadamente. Para evitar acuações de heresia, trabalhava muitas vezes à noite, iluminando a sala de dissecção com velas, o que deve ter tornado experiências ainda mais macabras.

Da Vinci, com a dificuldade em obter corpos humanos para dissecção, utilizava também de animais, muitas vezes realizando representações anatômicas hibridas, que sugeriam, para alguns críticos, indícios de imaturidade e imprecisões. No entanto, outra interpretação pode ser dada para essas representações, como a dificuldade de realizar dissecções humanas. No entanto, Leonardo não esconde a origem animal de suas noções.

OSSOS, ARTICULAÇÕES, MÚSCULOS E TENDÕES

O esqueleto humano era, naturalmente, mais fácil de examinar que os tecidos e órgãos internos do corpo, pois estes perdiam a forma e a estrutura logo depois de sua dissecção. As imagens de ossos e articulações estão entre os desenhos anatômicos mais exatos, primorosos e belos de Leonardo.

Após estudar como as diversas partes do esqueleto se encaixam, Leonardo passa a estudá-las separadamente e aos pares em vários outros fólios. Esses incluem estudos da coluna vertebral, da pelve, do joelho e do tornozelo, sempre demonstrando as estruturas em vários ângulos.

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Figura 3

 

Na Figura 3, percebe-se uma descrição acurada de todos os segmentos da coluna vertebral, desde a parte cervical até o sacro, além de uma representação das curvaturas cifóticas e lordóticas, colocadas precisamente onde encontram-se em um corpo real. Observa-se, também, uma divisão clara entre as partes cervical, torácica, lombar, sacral e coccígea, sendo dividida pelo desenho em seus segmentos correspondentes. Ao canto esquerdo inferior, é notável a presença da representação de vértebras que parecem ser cervicais, em função da presença do forame transversário (por onde passa a artéria vertebral), característica peculiar delas. Da Vinci parece ter se intrigado com as diferenças entre as vértebras C1 (atlas), C2 (áxis) e C3, uma vez que as duas primeiras são atípicas e a descrição delas é feita na porção referida. Logo ao lado, há um outro desenho que parece estar representando a transição da coluna cervical para a torácica, sendo desenhada em todos os seus aspectos, podendo ser percebida, portanto, duas incorporações anatômicas que diferenciam isso: o desaparecimento progressivo dos forames transversários e a transformação gradual do processo espinhoso bífido em único.

Os músculos e os tendões são visto no segundo e terceiro conjunto de dissecções, depois do ossos. Seu objetivo, com isso, sempre foi entender de que modo músculos, tendões e ossos trabalham harmonicamente para produzir os movimentos do corpo.

Leonardo afirmou que “seis são as coisas que se conjugam para compor os movimentos, a saber, osso, cartilagem, membrana, tendão, músculo e nervo.”  A descrição sobre a função das estruturas é notável, os termos usados por ele ainda integram a terminologia da ciência médica contemporânea.

O artista não se limitava ao desenho anatômico da estrutura, mas principalmente ao seu funcionamento, por exemplo, descobriu que o bíceps não apenas curva o cotovelo, mas ajuda a virar a palma para cima girando a extremidade do rádio.

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Figura 4

Na Figura 4, da Vinci faz uma rica representação de músculos tanto da camada superficial quanto de camadas mais profundas da palma da mão, por mais que essas últimas não tenham sido tão bem colocadas, além do desenho de todos os ossos do carpo, metacarpo, falanges, rádio e ulna. É de se notar, outrossim, a presença de ligamentos e tendões importantes. Por exemplo, há a representação do que parece ser o túnel do carpo e do quiasma tendíneo (formado pelos tendões dos músculos flexores superficial e profundo dos dedos). E não apenas músculos responsáveis pelos movimentos da mão foram desenhados; veja que, na imagem presente no canto inferior direito, há uma estrutura clara que pode estar relacionada ao músculo pronador quadrado, assim como a membrana interóssea entre o rádio e a ulna.

Além disso, investigou os impulsos nervosos que acionam as contrações musculares, seguindo-os pelos nervos motores e a medula espinhal até o cérebro, onde acreditava estar localiza a sede da alma, vejamos: “o movimento espiritual, fluindo pelos membros dos animais sencientes, alarga seus músculos. Assim alargados, eles se encurtam e repuxam os tendões a que estão presos. Eis a origem da força nos membros humanos (…) o movimento material brota do imaterial”. Nesse trecho vemos claramente a presença do pensamento de Galeno.

Leonardo afirmou que os nervos sensoriais transportam todas as impressões dos sentidos para o cérebro, onde são selecionadas a integradas antes de penetrar na consciência, no ventrículo cerebral central (a “sede da alma”), a fim de ser aferidas pelo intelecto influenciado pela imaginação e depois entregues, em parte, à memória.

Da Vinci, tinha uma visão integrada da alma, vendo-a tanto como agente da percepção e do conhecimento quanto como força responsável pela formação e o movimento do corpo.

Uma área que fascinou Leonardo por duas décadas foi o plexo braquial, um feixe intricado de nervos que forma as conexões neurais entre o pescoço e os nervos do braço. Os primeiros estudos que fez dessa área, baseados em dissecções de macacos, datam de 1487 e contam-se entre seus primeiro desenhos anatômicos. Vinte anos depois, fez um desenho que representa perfeitamente o plexo braquial em toda sua complexidade.

 

Comparações com desenhos em 3D

Há uma reportagem no site de notícias Daily Mail, escrita por um sujeito intrigado, assim como todos nós, que compara algumas das obras de Leonardo da Vinci com modelos em 3D. Percebe-se ainda mais o seu grau de precisão.

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Figura 5

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Figura 6

 

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Figura 7

O PENSAMENTO “EVOLUTIVO” DE LEORNADO

A postura de Leonardo frente às semelhanças dos membros dos mamíferos prenuncia um modo de pensar que ressurgiria na biologia do século XVIII, com a condição de órgãos homólogos, e conduziria, finalmente, à formulação de uma das pedras angulares da biologia moderna: a Teoria da Evolução das Espécies de Charles Darwin. A escola Alemã de biologia romântica, que abrigava o grande poeta, dramaturgo e cientista Johann Wolfgang von Goethe, reconheceu, como Leonardo, trezentos anos antes dela, uma unidade de padrões subjacentes às diferenças nas formas e tamanhos dos animais. Goethe, assim como outros biólogos e filósofos de suas escola, via nesses padrões a prova da existência de tipos orgânicos fundamentais, os “arquétipos”. O conceito de arquétipo exerceu enorme influência no pensamento biológico da França e da Inglaterra durante o século XIX. Darwin, em particular, reconheceu que essa teoria desempenhara um papel fundamental na concepção primitiva da evolução biológica.

 

O CORAÇÃO HUMANO

Na época de Leonardo, as associações do coração humano com a vida, a consciência e as emoções eram bem mais que metáforas. Da antiguidade à Idade Média, o coração foi considerado um órgão especial, que gerava os espíritos vitais do corpo, sendo também a fonte do calor corporal. Para Aristóteles, o coração era não apenas o centro de vitalidade do corpo como a própria sede da alma, ou seja, da inteligência, movimento e sensação. Galeno, a maior autoridade medica da Antiguidade, enfatizava a “natureza nobre” do coração e garantia que, embora ele parecesse um músculo, na verdade era coisa bem diversa. O coração fazia os espíritos vitais circularem pelo corpo juntamente com o “calor inato”, sua expansão e contração eram, para Galeno, sinais de sua função como órgão inteligente. Avicena, o grande médico e filósofo, tentando integrar a anatomia de Aristóteles com a fisiologia de Galeno, via o coração como o principal órgão do corpo, mas salientava que, sendo inteligente, poderia delegar certas funções a outros órgão, sobretudo o cérebro.

A principal autoridade médica de da Vinci era Mondino, por intermédio do qual conheceu as obras de Galeno e Avicena. Aceitou muitos de seus conceitos, mas prontamente os descartou quando suas próprias observações lhe mostraram outra realidade, portanto, afirmar que Da Vinci não questionou as obras de Galeno é um equívoco histórico, atribuindo tal feito inicialmente apenas a Andreas Vesálius.

Face à assustadora barafunda de ideias sobre o coração, herdada da antiguidade, Leonardo se concentrou no que considerava os “problemas gêmeos”: como as ações do coração mantem o sangue na temperatura do corpo e como geram os espíritos vitais. Adotou a antiga noção de que esses vapores responsáveis pela vida brotam de uma mistura de sangue e ar, o que é, diga-se de passagem, correto, se analisarmos pelo prisma do sangue oxigenado.

Após a análise do coração como sendo uma lareira que gera calor inato, e, ainda, que o sol levantaria os humores (sangue) que nutre o corpo humano, Leonardo tenta compor um modelo de coração, recorrendo a seu conhecimento dos fluxos turbulentos de agua e ar, bem como do papel do atrito, para explicar a origem tanto da mistura sangue-ar dos espíritos vitais quanto da temperatura corporal.

Embora esse modelo apresente serias falhas do ponto de vista da moderna cardiologia, inclui meticulosas e acuradas descrições e desenhos de inúmeros aspectos da estrutura e funções do coração e do fluxo de sangue.

O que Leonardo lia sobre a estrutura do coração e do fluxo de sangue nos textos clássicos era muito diferente da visão atual. Galeno concebia o coração antes de tudo como um órgão respiratório, feito de uma substância especial e dotado de propriedades únicas. Essa concepção tão estranha na visão atual, derivava do fato de Galeno basear toda a sua fisiologia do corpo humano na ideia tradicional da alma como sopro vital (pneuma) sob a forma de vários “espíritos” distintos, visto como os motores primários de todas as funções orgânicas.

Os sofisticados estudos de Leonardo sobre os movimentos do coração e do sangue, feitos em Milão e Roma quando ela estava perto dos 60 anos, constituem o ápice de sua obra anatômica. Além de entender e desenhar o coração como ninguém antes, observou sutilezas de suas ações no fluxo do sangue que escapariam aos pesquisadores médicos durante séculos.

Ora, nesse momento, interrompo a dissertação para defender Leonardo e Galeno, haja vista que o coração até pouco tempo, como constatamos no filme “Quase Deuses”, era “INTOCÁVEL”. Dessa maneira, não há de se considerar um erro tratar o coração com centro da inteligência para aquela época.

Da Vinci ilustrou suas descobertas numa série de desenhos impressionantes, tendo como principal objetivo mostrar os vasos coronarianos, além de desenhar as valvas pulmonar e a valva tricúspide de cima. Em que pese as críticas de que Leonardo não havia contraposto Galeno, ele afirmou que o coração era um músculo e que o órgão possuía quatro cavidade e não duas, como todas as autoridade medicas acreditavam.

Vejamos o que disse Leonardo no texto conhecido como Manuscrito G: “O coração é o principal músculo de força, bem mais poderoso que os outros músculos (…) O coração não é, por si só, o começo da vida, mas um vaso feito de músculo denso, vivificado e nutrido por veias e artérias como os outros músculos.”

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Figura 8

Na Figura 8, por mais que seja um desenho primitivo e não corresponda minunciosamente à estrutura real, podemos ver uma clara representação das artérias coronárias esquerda e direita, além dos vasos da base, não obstante a veia cava inferior pareça não ter sido representada. Também é notória a presença das aurículas.

Posteriormente, da Vinci investigou minuciosamente os trajetos e ramificações das artérias e veias coronárias e, ao mesmo tempo, procurou os nervos que estimulam o músculo cardíaco e localizou-os corretamente na grande rede conhecida hoje como “nervos vagos”, Leonardo chamou de “nervos reversos”: “Acompanhar os nervos reversos até o coração para descobrir se eles dão movimento ao coração ou se este se move sozinho. Caso tal movimento ocorra em virtude dos nervos reversos, que nascem no cérebro, ficará claro que a alma tem sua sede nos ventrículos cerebrais.”

Leonardo deu aos átrios o nome de “aurículas do coração” e identificou acertadamente o seu papel como as antecâmaras do coração.

Além de mostrar as formas exatas das valvas tricúspide e mitral em várias posições, Leonardo, dissecando os chamados músculos papilares, revelou como contribuem para controlar as ações dessas valvas por meios de tendões fibrosos. O artista, também foi o primeiro a perceber que o coração se encurta na sístole e se alonga na diástole, contradizendo os ensinamento de Galeno (este fato foi confirmado 120 anos depois por William Harvey). Da Vinci oferece a primeira interpretação correta do impulso cardíaco contra a parede do peito.

A despeito de todos os avanços, Leonardo continuou preso à ideia galênica de que o sangue se move em paralelo por dois sistemas vasculares separados e de que esse movimento é de fluxo e refluxo.

Portanto, os erros de Leonardo Da Vinci, no que tange ao acompanhamento do pensamento Galênico ou um equívoco mínimo ao descrever a membrana ocular como um prolongamento do periósteo, e, ainda, a representação da divisão atípica dos lobos de um pulmão arredondado, não tiram o brilho dos seus desenhos anatômicos, ante a sua impressionante exatidão e sofisticação, ficando sempre encantados com sua beleza. O que só corroboram para um testemunho duradouro de seu gênio como cientista e artista.

REFERÊNCIAS 

 

 

 

 

O prestigiado Galeno de Pérgamo

Texto de autoria de Pablo Emmanuel, do Terceiro Período de Medicina, UNIFACISA.

Busco através deste estudo sintetizar uma série de bibliografias sobre, em minha concepção, o médico de maior prestígio da história, Galeno de Pérgamo, afinal as suas teorias só foram contestadas depois de mais de dez séculos. Passaremos, então, a analisar um pouco da vida e da obra desse que era conhecido por ser um gênio, arrogante e brilhante.

Em algumas literaturas chamado de Cláudio Galeno ou Élio Galeno, Galeno de Pérgamo, de origem grega, nascido por volta de 130 d.C., na cidade de Pérgamo, Ásia Menor (hoje Turquia), é considerado o maior comentador do Corpo Hipocrático, e o seu enorme trabalho de exegese foi fundamental para a transmissão e a difusão do legado hipocrático no mundo ocidental e oriental.

Galeno nasceu em um grande centro médico de culto e cura, onde estava sendo construído um templo de Asclépio, talvez por seu próprio pai, o famoso arquiteto da época, Nikon. Segundo os relatos históricos, Nikon havia exercido uma forte influência moral e intelectual sobre o filho, iniciando-lhe nos estudos de matemática e geometria e, aos 14 anos, Galeno já estudava filosofia com os professores estóicos e platônicos.

Aos 16 anos, por decisão paterna, Galeno passou a estudar medicina com um médico que pertencia ao grupo de Costúnio Rufo, responsável pela construção do templo de Asclépio. De 147 a 151, estudou anatomia com Satyro, respeitado anatomista da época. Após a morte de seu pai, durante os anos 151 e 152, seguiu para Esmirna, onde estudou medicina com Pelops e filosofia com Albino.

É dessa época o seu primeiro escrito: um tratado composto por três livros sobre o movimento do pulmão e do tórax. De 152 a 157, seguiu para Corinto e Alexandria, capital científica do mundo helenístico e latino, onde deu continuidade ao aprendizado médico com importantes anatomistas, entre eles Heracleiano e vários comentadores do CH. Na obra Sobre a ordem dos meus próprios livros, Galeno (§3, passagens 57-8), cita os comentadores de Hipócrates anteriores a si próprio, entre os quais muitos de seus antigos professores, contra os quais ele invariavelmente tem objeções (cf. Singer, 1997, p. 26-7): Pelops, Numesiano, Sabino, Estratônico, Rufo de Éfeso, Quinto, Lyco, Satyro e Aeficiano. Nessa época, escreveu tratados de fisiologia e anatomia, como a primeira edição dos Procedimentos anatômicos e deu início a sua obra Demonstração lógica.

Galeno retornou a Pérgamo aos 29 anos, em 157, e entre os anos 158-161, assumiu o prestigioso posto de médico de gladiadores. Nos dois anos seguintes, seguiu para Roma, onde foi médico do imperador Marco Aurélio. De 163 a 168, voltou a Pérgamo para cumprir o serviço militar, retornando novamente a Roma em 169, convocado para acompanhar Marco Aurélio e suas tropas nas campanhas da Germânia. De 169 até 175, foi médico de Comodo, filho de Marco Aurélio, e, de 175 até 192, exerceu o prestigioso posto de médico da corte imperial romana. Em 192, o grande incêndio de Roma destruiu a maior parte de seus manuscritos, obrigando Galeno a retirar-se para Pérgamo, onde passou a reescrever os seus textos perdidos.

Os estudos e teorias constituídos por ele prevaleceram nas concepções médicas vigentes no Ocidente por mais de um milênio, tal a importância e a extensão de suas descobertas. Ele baseava suas investigações no exame minucioso de macacos, pois a dissecação de seres humanos era então proibida.

Os resultados atingidos por Galeno foram imbatíveis até as conclusões do médico belga Andréas Vesalius, divulgadas em 1543; e seus relatos sobre o mecanismo de funcionamento do coração, das artérias e veias, dominaram o cenário da Medicina até o momento em que o britânico William Harvey determinou, em 1628, que o sistema cardíaco atua como se o coração estivesse bombeando o sangue. Algumas das concepções de Galeno ainda prevaleciam no século XIX.

Atribuem, ainda, a Andréas Vesálius a seguinte frase: “O infalível Galeno enganou-se algumas vezes, pois dissecou macacos”.

No entanto, haverei de criticar a postura do magnífico Vesálius, haja vista que em sua época a dissecação de cadáveres deixou de ser um sacrilégio, ao revés, agora era tido como de fundamental importância o estudo do corpo humano, para reconhecer sua beleza e sua perfeição. Falamos então do Renascimento, época de grandes artistas, filósofos, anatomistas, inventores, a exemplo de Leonardo da Vinci, que no auge de sua genialidade, não teve coragem de contestar Galeno, aceitando tudo o que Mondino (Médico da Universidade de Bolonha), este por sua vez, queria comprovar nos cadáveres os legados de Galeno.

Outro grande nome do Renascimento é Borengario de Carpi, anatomista, médico, professor da Universidade de Bolonha, que mesmo percebendo os erros de Galeno, não declara ter encontrado. Apenas em 1521, publica comentários sobre anatomia de Mondino, afirmando que Galeno jamais vira a rede mirabilis e que não havia encontrado o filtro/crivo renal.

Galeno, que também era filosofo, defendeu o ensino de filosofia para médicos por três razões: (i) o doutor precisa ser treinado no método científico, para poder argumentar corretamente (mas nem tanto para saber avaliar evidência); (ii) o médico precisa estudar a natureza, ou como diríamos hoje, precisa conhecer teoria biológica; (iii) o doutor deve aprender a desprezar o dinheiro! A fisiologia de Galeno partia da distinção tradicional entre quatro elementos (terra, água, ar, fogo) e quatro qualidades primárias (quente, frio, seco, úmido). Seguindo Platão, identificou três faculdades da alma: o racional (ligado ao cérebro, centro do sistema nervoso), o animal ou espiritual (ligado ao coração, a fonte das artérias) e o nutritivo (ligado ao fígado, fonte das veias). Esse esquema fisiológico seria herdado pela medicina medieval e árabe.

Destacou que na nutrição o alimento é inicialmente emulsionado em um “quilo”, para depois ser digerido (“pepsis”) e finalmente absorvido. Segundo Galeno, o fígado geraria o sangue a partir da alimentação proveniente do estômago e dos intestinos, e o sangue nutriria o resto do corpo. Do fígado, o sangue iria pela veia cava para o ventrículo direito do coração, de lá nutriria os pulmões e iria para o resto do corpo, impedido de retornar ao coração por causa de válvulas. Galeno supôs que a função da respiração era o de esfriar o sangue e o coração, sendo que o ar iria até o coração através veia pulmonar.

Seu erro mais famoso foi a conclusão de que no coração o sangue pode passar diretamente do ventrículo direito para o esquerdo, através da parede muscular que separa estas duas cavidades. Chegou a esta conclusão por perceber que a válvula tricúspide era maior do que válvula pulmonar, e por imaginar que capilares estariam presentes no septo interventricular. Assim, o sangue acabaria refluindo pela válvula mitral. Em seu raciocínio, utilizou também o princípio de que a natureza não faz nada sem um motivo.

Quando retornou a Roma, em 169, permanecendo até 192 d.C., dos 40 aos 65 anos, Galeno produziu os seus mais importantes tratados e vários comentários ao CH. Entre 169 e 175, escreveu: Os elementos segundo Hipócrates e PlatãoMisturasSobre as faculdades naturaisSpermataA função da respiração; os livros restantes (ii-xvii) do Da utilidade das partes do corpoSobre a melhor constituição do nosso corpoSobre a boa condição; a maior parte dos trabalhos sobre o pulso; os livros restantes (vii-ix) do Sobre as opiniões de Hipócrates e PlatãoDieta de emagrecimento; a primeira parte da sua principal obra farmacológica Misturas e a propriedade dos medicamentos simples; a obra terapêutica Método de cura, composta por 14 livros (Megatechne ou Methodus medendi); Questões de saúde; os trabalhos sobre classificação e o diagnóstico das doenças e prática clínica Para Glauco, sobre o método de curaPara Thrasyboulos e o Exercício com uma pequena bola; e boa parte dos comentários hipocráticos.

Em 176, Galeno atinge o auge de sua fama, sendo apoiado pela elite romana e pelo imperador Marco Aurélio. Nessa época, publica o Prognóstico. De 176 a 180, Galeno escreve vários comentários a Hipócrates. De 180 a 192, escreve a maior parte da sua obra sobre dieta e regime de vida: Sobre a propriedade dos alimentos; o último livro das Questões de saúdeSobre a ordem dos meus livros; e os seus últimos comentários aos textos hipocráticos Sobre a natureza do homem Ares, águas e lugares.

Entre 193 e as datas prováveis de sua morte, por volta de 210 d.C., Galeno escreveu A dependência da alma ao corpoA formação do embriãoSobre a arte médica; trabalhos de caráter clínico e farmacológico, como os últimos livros do Método de cura e a obra Misturas e a propriedade dos medicamentos simples; dois trabalhos de farmacologia; e o Sobre meus próprios livros. É neste último que Galeno descreve os seus 25 comentários aos tratados hipocráticos. Na apresentação, lembra que tais escritos tinham sido originalmente anotações feitas como forma de exercício para uso e consulta particular (Galeno, 1997, p. 15). Tais anotações foram paulatinamente crescendo e acabaram organizadas por assuntos, percorreram a obra e o sistema médico de Hipócrates, esclarecendo as passagens difíceis e apresentando as suas principais conclusões. Embora critique os comentadores anteriores, apresentando “os seus erros” de interpretação, Smith (2002) afirma que Galeno muitas vezes os criticou “de memória” ou “por ouvir dizer”. Nesse conjunto de escritos encontram-se os seguintes comentários aos tratados hipocráticos: Sobre os dias críticosSobre as crises; Sobre a apnéia; Método de cura (14 livros); Aforismos (7 livros); Fraturas (3 livros); Articulações (4 livros); Prognóstico (3 livros); Do regime nas doenças agudas (5 livros); Sobre as feridas; Sobre as feridas da cabeça; Epidemias i (3 livros), Epidemias ii (6 livros)iii (3 livros) e vi (8 livros); Dos humores (3 comentários); Sobre os alimentos (4 comentários); Predições (3 comentários); Da natureza do homem (2 comentários); Sobre a oficina do médico (3 comentários); Ares, águas e lugares (3 comentários sob o título Sobre as moradias, as águas, as estações e os países).

Além disso, com a intenção de demonstrar a autenticidade de certos textos hipocráticos, escreveu Sobre o regime nas doenças agudas segundo HipócratesExplicação de palavras raras ou GlossárioContra Lyco (crítica à passagem §I, 14 dos Aforismos: “os seres que crescem possuem mais calor inato”); Contra Juliano (o metódico); e, por fim, o pequeno texto O bom médico é também filósofo.

Dois tratados discutem Hipócrates e Platão: Sobre os elementos segundo Hipócrates e Platão Sobre a doutrina de Hipócrates e Platão (9 livros).

No Fraturas, Galeno descreveu o seu próprio método exegético: o principal objetivo do comentador é esclarecer aquilo que não está claro no texto, ou porque não está bem redigido ou porque o leitor não tem condições ou capacidade de compreendê-lo. Segundo o próprio Galeno, os comentários dirigiam-se a um público de nível médio com uma certa experiência, não para os neófitos e tampouco para os especialistas. Além disso, declara não ser tarefa do comentador provar se as coisas ditas são falsas ou verdadeiras, nem defender o texto das interpretações sofistas, como era usual na exegese da época. Para ele, a exegese não devia limitar-se unicamente à apresentação definitiva das concepções dos autores (cf. Smith, 2002, p. 125). Dessa forma, Galeno introduz nos seus comentários as suas próprias ideias buscando aquilo que será, a partir de então, feito por todos aqueles que buscavam conciliar o pensamento antigo com as novas descobertas anatômicas e as novas concepções filosóficas. Cada comentário era composto por duas partes principais, o texto de Hipócrates e o comentário de Galeno. Na maior parte das vezes, Galeno interpreta o pensamento contido nos tratados hipocráticos à luz de suas próprias concepções e, desde então, a sua contribuição para a difusão do pensamento hipocrático é marcada pela força de seu pensamento e de suas concepções particulares.

Galeno copiava o texto original de Hipócrates (lemmes) e, em seguida, fazia o comentário, que consistia em uma explicação das palavras raras ou das passagens mais difíceis e, ao mesmo tempo, na exposição da doutrina. Por exemplo, no comentário ao texto cirúrgico Fraturas, Galeno parafraseia o autor nas passagens consideradas obscuras, fornecendo informações anatômicas e fisiológicas que esclarecem os procedimentos cirúrgicos. Conservados em grego e em árabe, os comentários de Galeno chegaram à posteridade latina transmitindo um Hipócrates inteiramente construído a partir do seu próprio ponto de vista filosófico e médico, alinhado com o estoicismo e marcado por Platão e Aristóteles. Assim, Galeno é, ao mesmo tempo, o maior difusor da medicina e do pensamento de Hipócrates, bem como aquele que imprimiu uma nova leitura ao legado hipocrático que será, a partir de então, guia e orientação para a medicina até o século xviii.

Um exemplo curioso é fornecido por Jouanna (cf. 1992, p. 507) ao apresentar a contribuição das traduções de Hunayn ibn Isháq, médico árabe do século ix, para a transmissão do hipocratismo galênico. Ao verter os textos médicos hipocráticos para o siríaco e o árabe, Isháq utilizou os comentários de Galeno. Estes eram constituídos pela alternância das “palavras de Hipócrates” (usando a terminologia própria de Isháq) e dos comentários de Galeno às mesmas palavras. Na tradição árabe, os tratados hipocráticos serão recompilados extraindo-se as “palavras de Hipocrates” e mantendo-se apenas os comentários de Galeno. Esse será o Hipócrates conhecido a partir de então, quer no mundo árabe ou latino, até o século xv, quando médicos humanistas passam a exigir os textos originais gregos, livres de tradução e glosa.

Galeno absorve alguns elementos da filosofia platônica, retendo a ideia das três almas sediadas no fígado, no coração e no cérebro. No entanto, diferentemente de Platão e aproximando-se dos estóicos, com exceção da alma racional, duas almas são mortais. No Timeu, Platão concebe três almas: uma alma imortal racional alojada na cabeça, responsável pelo pensamento; uma alma mortal e de baixos instintos alojada no fígado, responsável pelas funções vegetativas, e uma alma mortal intermediária entre o fígado e a cabeça, alojada no coração, responsável pelos altos instintos. Essas almas controlariam o corpo que, por sua vez, é composto pelos quatro elementos, ar, fogo, terra e água, cada um dos quais representado por uma figura geométrica determinada. A alma racional, sediada na cabeça, e a alma mortal ou apetitiva, sediada no fígado, emitiriam ordens para o coração, considerado o centro que comanda o corpo, bem como sede do calor inato e, ao mesmo tempo, responsável por sua refrigeração. O sistema vascular, uma verdadeira rede de irrigação, permitiria que o sangue irrigasse o corpo, à maneira do fluxo e do refluxo do mar, nutrindo, aquecendo e animando. O sangue proviria dos alimentos e a saúde foi concebida como um duplo equilíbrio: entre os quatro elementos que compõem o corpo e entre o corpo e a alma. Platão parte das concepções biológicas contidas no CH, mas diferentemente da orientação naturalista da maior parte dos autores do CH, Platão introduz a ideia das almas divinas.

De Aristóteles, Galeno reteve aspectos do seu hilemorfismo, tais como a predominância da forma sobre a matéria. Mas, para Galeno, a alma não era concebida como princípio motor do corpo, e sim como o resultado último da matéria corporal. Em Aristóteles (cf. Ross, 1971 [1923]; Daremberg, 1994; Preus, 1975), os animais possuem uma alma, considerada o princípio motor que anima o ser vivo e fornece o seu movimento. Aristóteles concebeu três almas ou, pelo menos, três faculdades distintas da alma: a alma nutritiva, própria dos animais e vegetais, responsável pela vida vegetativa (fisiologia e geração animal); a alma sensitiva, própria dos animais, responsável pela vida de relação, sensibilidade, motricidade e desejo; e a alma racional, própria do homem, responsável pelo pensamento. Como para Aristóteles todo ser definido é constituído por matéria forma, inseparáveis uma da outra, a forma dos seres vivos é concebida como a reunião dos aspectos morfológicos e qualitativos da matéria viva. Uma vez que a alma é a causa formal do corpo, isto é, a forma adulta a ser atingida por meio de seu desenvolvimento, ela é também a sua causa final. Além disso, sendo a causa formal e final do ser adulto completo, a alma é também a forma da saúde ou, pelo menos, do estado ideal do corpo, que Aristóteles, seguindo a orientação da medicina hipocrática, concebe como o equilíbrio dos elementos e, consequentemente, dos humores. Além disso, a alma ligada ao corpo é, ao mesmo tempo, forma princípio de movimento. Sediada no coração, ela anima o corpo por meio do calor e do pneuma. O pneuma, ar vivificante respirado pelo nariz e pela pele, refrigera o corpo e fornece-lhe vida.

A fisiologia básica de Aristóteles reduz-se à nutrição e à refrigeração. Na nutrição, a cocção transforma o alimento em sangue com a ajuda do fígado e do calor natural do corpo; o sangue nutre e recompõe os tecidos compondo a matéria corporal. Esse trabalho de irrigação é feito através dos vasos do corpo. O cérebro é um órgão frio e sua função é refrigerar o sangue quente que sai do coração e sobe ao cérebro na forma de exalação. No cérebro, os vapores serão resfriados e condensados, descendo para o corpo; com isso, o calor do sangue é moderado. Discordando de Platão e Hipócrates, Aristóteles considera que o cérebro não é a sede do pensamento e da sensibilidade, papel reservado ao coração, onde a alma está localizada. A função do pulmão, assim como em Platão e no CH, é dupla: moderar o calor do coração e alimentar a chama do fogo para que não se apague.

Dos estóicos, Galeno conserva a ideia de uma providência onisciente e racional que regula o mundo, criando, dessa maneira, uma ordem preestabelecida. A conciliação do finalismo aristotélico e do determinismo providencial dos estoicos permitiu a Galeno elaborar uma teoria que buscou compreender o que cada parte do corpo é (historia) e qual é a sua função (usus utilitas) no sistema fisiológico como um todo (Galeno, 1979, 1968). Cada parte do corpo é um instrumento, uma ferramenta independente que possui uma utilidade bem definida, a qual justifica a sua existência e a sua estrutura (anatômica), chamada historia. Cada órgão é feito para cumprir uma função determinada (usus) que tem uma utilidade ou propósito particular (utilitas). O corpo é posto em movimento graças a um conjunto de propriedades providenciais, as faculdades naturais. Verdadeiros princípios vitais (e não puramente mecânicos) dirigem as ações corporais. Assim, a famosa seqüência historia-actio-usus-utilitas completa-se com a explicitação da ação (actio) das faculdades naturais. Fusão entre as dynameis da fisiologia hipocrática e o estoicismo, as faculdades naturais são identificadas com a ação “simpática” (sympateia) que reúne as partes do corpo, os elementos, os humores, os alimentos e os órgãos. O corpo é uma máquina que cumpre funções graças às faculdades naturais. Estas, por sua vez, são de dois tipos: aquelas que agem sobre todo o corpo e aquelas que são particulares a cada órgão. Podem ser atrativas, retentoras, expulsivas, sangüificadoras, neurificadoras etc. E cada uma dessas faculdades pode compreender outras, como a faculdade nutritiva, que é, ao mesmo tempo, alteradora, aglutinadora, retentora, aumentativa etc.

Assim, cada processo fisiológico tem uma faculdade natural que o explica. Em outras palavras, a faculdade natural é uma explicação da capacidade das partes. Ela substitui o calor e a alma nutritiva de Aristóteles na explicação do funcionamento do corpo, ocupando o lugar de um princípio ativo de transformação. Há aqui uma retomada da filosofia médica hipocrática, pois a faculdade natural nada tem a ver com a alma das concepções platônica e aristotélica. No entanto, como vimos, no CH não há uma elaboração refinada na explicação da ação e do movimento das partes, pois que ela se resume à idéia de atração e simpatia. Assim, pode-se pensar que o conceito de faculdade natural é uma das maneiras pela qual Galeno, sem se afastar da fisiologia hipocrática, fornece uma explicação mais elaborada do funcionamento do corpo.

Além das faculdades naturais, Galeno postula a existência de almas ou espíritos, princípios materiais produzidos no corpo. De um modo geral, a fisiologia de Galeno é determinada pela necessidade de produção desses espíritos naturais, vitais e animais (psíquicos), respectivamente responsáveis pela nutrição, refrigeração e vivificação corporal e pela sensibilidade, movimento e pensamento. O fígado é arché das veias e principal órgão no processo de sangüificação. O coração é fonte e sede do calor inato que, resfriado pelo ar que penetra nos pulmões, espalha-se pelas artérias do corpo. O cérebro é arché dos nervos e o principal órgão da sensibilidade, do movimento e do pensamento, onde são formados os espíritos animais.

É na patologia e na terapêutica de Galeno que se pode perceber claramente uma restauração da autoridade hipocrática. Embora não retenha a idéia de uma natura medicatrix, tão cara aos hipocráticos, e, nas explicações das doenças, a teoria humoral ocupe um espaço menor, contrabalançado pela consideração das lesões orgânicas locais, Galeno reproduz o esquema das qualidades e dos temperamentos já sugeridos no CH seis séculos antes, aperfeiçoando-o. No entanto, Galeno sofistica a teoria humoral e introduz uma novidade. Ao comentar o livro iii dos Aforismos, que reúne a discussão sobre as estações do ano e as idades do homem, Galeno aproveita para fazer derivar a sua particular teoria dos temperamentos (kraseis). Classificando as doenças em oito tipos de discrasias, das quais quatro são discrasias simples, que podem ocorrer numa única das quatro qualidades, e quatro são discrasias compostas que podem ocorrer entre duas qualidades ao mesmo tempo, por exemplo, seco-quente, seco-frio, úmido-quente e úmido-frio. A terapêutica galênica manteve a importância e a supremacia dos regimes de vida (dietas) praticados pelos médicos hipocráticos, entendendo que a qualidade dos alimentos deveria ser contrária à doença ou favorecer os humores. Os medicamentos seguiram a mesma lógica, sendo utilizados a partir de suas qualidades aquecedoras, refrigeradoras, secativas, hidratantes, sangüíneas, pituitosas, biliosas e outras.

A transmissão da interpretação galênica do CH pode ser verificada no conteúdo dos manuais e dos “catecismos médicos” utilizados amplamente a partir do século ix d.C., tais como o Isagoge ou Líber Isagogarum de Joahnitius (Hunain ibn Isháq) (cf. Jacquart & Micheau, 1996, p. 45-54), uma introdução ao Tegni de Galeno, que invariavelmente abria os florilegia Articellae Ars medicina e o Cântico ou Poema à medicina de Avicena (cf. Avicena, 1956), ambos leituras obrigatórias nas escolas médicas do mundo oriental e ocidental. Neles, uma síntese da medicina galênica é ensinada com recurso à memorização. O Isagoge, na forma de perguntas e respostas, o Poema à medicina de Avicena, em versos. O conteúdo de tais manuais atesta a transmissão do legado hipocrático via Galeno, pois seus autores reproduzem, como é, por exemplo, o caso de Isháq, o sistema galênico sem qualquer intervenção, sistema este construído a partir dos comentários aos seus predecessores, entre eles os autores do CH. Essa literatura foi utilizada nas universidades ocidentais por sete séculos, do ix ao xvii, constituindo-se no manual de medicina mais editado e copiado pelos estudantes e, com isso, o veículo mais importante na transmissão do legado hipocrático-galênico.

Galeno também classificou os ossos entre os que apresentam concavidades medulares e aqueles nos quais estas estão ausentes. Relatou a estrutura da caixa que compõe o crânio e descreveu o sistema muscular. O médico igualmente investigou os nervos cranianos e comprovou, através da prática, que o rim é um órgão que secreta urina. Ele morreu por volta do ano 200, possivelmente na Sicília.

Após esse amplo compilado de informações, retirados de diversas bibliografias, com intuito de facilitar a pesquisa do acadêmico de medicina no âmbito da História de Medicina, podemos concluir que Galeno de Pérgamo é um dos maiores nomes da medicina, com contribuição fundamental para o desenvolvimento desta ciência.

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http://www.ff.ul.pt/paginas/jpsdias/Farmacia-e-Historia/node28.html

 

A SERPENTE COMO UM SÍMBOLO E UMA EXPLICAÇÃO ALTERNATIVA AOS ARQUÉTIPOS

 

            Há várias simbologias adotadas por povos do mundo e que são semelhantes entre si em alguns aspectos, a exemplo de observar o céu como local divino, criar mitos para a morte, produzir estruturas arquitetônicas, usar cajados, bastões, cetros, árvores da vida e animais. Neste texto, pretendo abordar um pouco sobre a simbologia da serpente em várias culturas e questionar os conceitos de arquétipo sugeridos pelo psicanalista Carl Jung.

            A serpente sempre foi bastante usada como representação da medicina, gerando o que se chama de ofiolatria. Conforme as aulas se passam, percebo uma citação peculiar a esse animal em cada uma delas, e não é para tanto: o próprio símbolo da medicina, o bastão de Asclépio, é representado com uma serpente ao seu redor.

            A primeira menção à serpente como uma simbologia em registro histórico, talvez, seja na Epopeia de Gilgamesh, encontrada na biblioteca de Nínive, no palácio de Assurbanipal, que também é a primeira a ser escrita, sendo registrada numa placa de argila com escrita cuneiforme. Nela, resumidamente, conta-se a história de Gilgamesh, um rei autoritário de cidade de Uruk que, para ser controlado, recebeu Enkidu, por ordem da deusa Ishtar. Enkidu deveria duelar com Gilgamesh e derrotá-lo, no entanto, eles viraram amigos. Depois de muito tempo juntos, eles acabaram por provocar a ira dos deuses, e Enkidu morreu. Temendo a morte, Gilgamesh procura um sábio e pergunta qual o segredo da imortalidade, recebendo a resposta de que tal pode ser alcançada ao comer uma planta que se encontra no fundo do mar. Gilgamesh, então, depois de uma longa jornada, acha a planta e inicia uma caminhada até a sua cidade, Uruk. No meio do caminho, porém, decide beber água e uma serpente come a planta, tornando-se imortal. A partir daí, começa a ser cultuada pelos mesopotâmicos como um símbolo divino, imortal, e muitos de seus deuses adquirem um quimerismo serpente-humano, a exemplo de Ningshizida – o “senhor da boa árvore” ou “senhor da árvore da vida”, bastante reverenciado por Gudeia, famoso príncipe da cidade de Lagash. Isso não é muito diferente de outras culturas, que também cultuavam a serpente como símbolo de bem-aventurança, fertilidade, bons tempos, etc..

            Ainda no Oriente Médio, foram encontradas várias esculturas de bronze em locais onde, possivelmente, alojou-se a civilização canaanita.

            Também há exemplos do culto à serpente na cultura grega, através dos símbolos do caduceu (originalmente, representando o comércio) e do bastão de Asclépio (originalmente, representando a medicina), tendo o segundo sido romanizado para o termo “bastão de Esculápio”. Alguns creem que esses símbolos possam ter se originado da mitologia mesopotâmica referente à Ningshizida, cujo símbolo também incluía serpentes enroladas em um bastão.

            Ademais, serpente é utilizada como um mito na civilização egípcia, por meio de Uraeus, símbolo de proteção do país, dos deuses e dos faraós, de Renenut, uma deusa frequentemente relatada como uma mulher com cabeça de cobra associada à vida eterna, e de Ouroboros, uma serpente que morde a própria cauda, formando um círculo, e é usada como um símbolo da ciclicidade do mundo.

            Em algumas tribos da América do Sul, existe a crença em uma serpente criadora de todas as criaturas aquáticas, a Yakunama, que habita no Rio Amazonas.

            No hinduísmo, há as Nagas, grupo de divindades semelhantes às serpentes que fazem parte da mitologia. Dessas Nagas, uma importante a ser citadas são a serpente Vasuki, que se encontra enrolada no pescoço de Shiva, deus da destruição, criação, regeneração, arte, meditação e yoga. Usar a serpente como ornamento significa que ele dominou a morte e, portanto, é imortal. Ainda, é possível encontrá-la dando três voltas no seu pescoço, o que significa que ele dominou os três tempos: passado, presente e futuro. Crê-se que é a serpente Vasuki que desperta e ascende sobre os sete chakras por toda a coluna vertebral.

            A outra serpente do hinduísmo bastante importante é a SheshaNaga, rainha de todas as Nagas, e que está sobre o domínio de Vishnu, deus da preservação e proteção. Segundo a religião, Vishnu é visto usando a cobra como um repouso.

            Acredita-se que, no rio Mekong, em determinado momento do ano, bolas de fogos são lançadas ao céu pelas divindades Naga.

            Na Austrália, o mito da criação dos aborígenes é associado com a Serpente-Arco-Íris.

            Na mesoamérica, também há uma serpente sagrada: a Quetzalcoatl, que é muitas vezes descrita como mordendo sua própria cauda (incrível sua semelhança com a serpente Ouroboros). Também chamada de EhecatlTlahuizcalpantecuhtli ou Kukulkan, sua existência era associada ao Cinturão de Gould, faixa estrelada deixada pela porção visível da Via Láctea à noite.

            A Quetzalcoatl tem um templo em sua homenagem, feito pelos maias, que possui um número de degraus correspondente ao número de dias do ano, o que indica a sua precisão na previsão de fenômenos terrestres (tais quais as mudanças de estações), visto que era uma sociedade inteiramente agrícola. O templo foi feito em forma de pirâmide e foi perfeitamente projetado a 20° do Norte, de modo que, a cada equinócio (seja de Primavera ou Outono), rastros de luz são formados na escadaria em um aspecto serpentino durante o pôr-do-sol. Com o passar do tempo, as luzes projetam-se sobre a cabeça da “serpente emplumada” que se encontra na base da pirâmide e, quando se encontra lá, isso significa que o deus Quetzalcoatl desceu dos céus à terra para promover a bem-aventurança.

            Entretanto, não é sempre que a serpente é vista como bom símbolo. Um bom exemplo é a mitologia nórdica, que criou o mito de Níðhǫggr, um dragão (ou cobra, dependendo da fonte) que se alimentava das raízes de Yggdrasil, a “árvore da vida” nórdica. Além disso, existe Jörmungandr, uma serpente que morde sua própria cauda (assim como a Quetzalcoatl e o Ouroboros) associada com o Ragnarök, basicamente, o apocalipse nórdico. Também há a lenda do Boitatá, que não faz parte exatamente de uma mitologia, mas sim de uma cultura colonial, mas não deixa de ser uma representação simbólica. O Boitatá foi uma explicação dada pelos portugueses ao fenômeno de foto-fátuo e é geralmente associado a más consequências a quem se encontrar na floresta com ele. Por fim e mais famoso, temos a serpente do Jardim do Éden, o animal mais astuto, porém, enganador e trapaceador, que induziu Eva a comer o fruto proibido.

Uma explicação alternativa à teoria dos arquétipos

            O território árabe consiste em uma faixa de terra que inclui o norte da África e o Oriente Médio.  As terras são banhadas, em grande parte, pelo mar mediterrâneo e entram em contato com três continentes diferentes (Europa, Ásia e África). O território foi o berço de diversas civilizações, que se estabeleceram em locais ao longo do chamado “Crescente Fértil”, área que engloba os rios Nilo, Tigre e Eufrates.

            Por conta disso, as tribos de lá, que antes eram nômades, passaram a praticar a agricultura e se estabeleceram permanentemente no local, embora ainda existissem povos nômades. Tal estagnação gerou o início da construção de cidades, de civilizações, de uma cultura propriamente dita. Surgem as tentativas de explicar o mundo, o que, talvez, explique a formação de três religiões monoteístas, que, juntas, possuem a maior quantidade de adeptos no mundo atual: judaísmo, cristianismo e islamismo.

            O território, ainda, entra em contato com diversas outras faixas de Terra: ao Oeste, a África; ao Leste, a Ásia e; ao Norte, a Europa. Isso facilitou a migração dos primeiros seres humanos para a Europa e para a Ásia, o que é bem explicado por estudos antropológicos da evolução da humanidade.

            É ululante, portanto, que a região possui uma riqueza da qual qualquer imperador gostaria de usufruir. Isso, talvez, explique por que vários povos dominaram completamente ou parcialmente essa região. Ela já esteve nas mãos do Reino Egípcio, Império Hitita, Reino de Israel, Império Assírio, Império Babilônico Império Persa, Império Macedônico, Império Romano, Império Bizantino (que foi uma continuação do Império Romano Oriental após a decadência do Império Romano como um todo), Império Sassânida (que também eram persas), Império Seljucídio, entre outros, o que pode  ser mais aprofundado no vídeo do Maps of War: http://www.mapsofwar.com/ind/imperial-history.html. Além disso, o cenário do Oriente Médio foi palco das famosas cruzadas e do famigerado Império de Genghis Khan.

            Não há palavras para designar a historiografia da região, que promoveu insolitamente o contato entre povos que carregavam os primeiros registros culturais que a humanidade já presenciou. Destarte, percebe-se que, provavelmente, aí começa-se a troca de simbologias, ritos e mitos, que, em sua semelhança, apresentam-se em diversas culturas. É aí, então, que, talvez, a medicina comece a tomar sua primeira representatividade e a herdá-la para as demais culturas.

            É possível observar, também, que quanto mais próximas geograficamente as culturas são, maior é a chance de terem símbolos semelhantes, o que é bem explicado pela possível influência do símbolo de Ningishzida nos bastões de Caduceu e Asclépio e na proximidade de relações da imortalidade (surgida com o mito de Gilgamesh) e as divindades egípcia relacionadas à serpente. Essa relação de proximidade geográfica e representação cultural fez-me indagar se a conceituação dos arquétipos de Carl Jung, segundo a qual símbolos e mitos são provenientes de constituintes inconscientes adquiridos pela Evolução que se manifestam de diferentes formas e que provém do âmbito intrínseco do homem, é o suficiente para explicar a semelhança dos símbolos e mitos adotados pelos povos. Além disso, há algumas culturas isoladas que promovem um olhar negativo sobre a serpente, como é o caso de alguns indígenas brasileiros, do cristianismo no livro Gênesis e da mitologia nórdica.

            Logo, observe você, leitor, que o presente artigo almeja promover uma discussão dos símbolos não como uma manifestação pura dos arquétipos, conceituação iniciada pelo psicanalista Carl Jung, mas sim de uma explicação mais naturalista, aliada às ciências humanas e naturais, de modo a propor uma manifestação alternativa ao pensador por meio de argumentos antropológicos e evolutivos. Em suma, busca-se explicar as semelhanças culturais no argumento da dissociação geográfica dos povos, todos eles provenientes de único povo e que, ao contrário do proposto por Jung, denotam uma causa extrínseca para isso, independente do inconsciente humano. Da mesma forma que a Evolução das Espécies ocorreria com base na mudança da frequência de genes em uma população, mas haveria a manutenção de alguns genes, presentes em todos os indivíduos, a Evolução das Culturas ocorreria com base nas mudanças que tais sofreram conforme o tempo em função do espalhamento dos povos pelo mundo, mantendo uma simbologia tratada como ancestral, sendo essa adaptada de acordo com o povo.

Josikwylkson Costa Brito, Terceiro Período FCM – CG.

 

 

Opinião de Josikwylkson Costa sobre a disciplina de História da Medicina.

“A história sempre me foi motivo de fascínio. O tempo, os homens, os feitos, tudo me deixa estupefato. Uma das maneiras que encontro para satisfazer tal sentimento é visitar lugares históricos e, ao pisar nos ditos cujos, olhar aos meus pés e, profundamente, pensar “Este local foi um antro da história”. Isso acontece não apenas com locais considerados como históricos, mas, na verdade, com qualquer local, como se eu fosse tendenciado a isso. Viajo em uma estrada e penso “Neste local, certamente, algum homem importante já passou”.
Vou até mais além e digo “No local onde estou sentado agora, escrevendo este texto, talvez, há milhões de anos, um animal pré-histórico já deve ter caminhado”. Não muito surpreendentemente, sinto-me de tal forma quanto à medicina: “No meu posto como estudante, já estiveram Carlos Chagas e Oswaldo Cruz. Já estiveram várias pessoas importantes, estudando tal como eu. Que privilégio.” A medicina é um terreno no qual sementes de grandes árvores eclodiram e, para que eu também ecloda, é necessário saber como as outras o fizeram.
Meu conhecimento em história da medicina é, neste momento, superficial, então, minhas expectativas é que, ao ampliá-lo, supra-se o a minha necessidade e o meu fascínio. Este meu artigo é expressão de um sentimento impetuoso em que eu não sabia onde expressar com minhas palavras, até que eu conhecesse este blog. Este sentimento é um dos principais fatores que contribuem para que eu realmente olhe a medicina com outros olhos; permite-me uma ampliação de olhar, vendo-a não apenas em um status de técnica, para a qual teria de aplicar e aprender o conhecimento estabelecido como um robô e de viver como um cão de Pavlov que anseia por notas, mas um homem amante de uma arte, para qual as expressões emergem do âmago do espírito, da vocação. Enxergar a medicina de tal modo me ajuda não apenas em sua compreensão, mas em sanar a minha ansiedade, pois o conhecimento torna-se mais agradável.
Portanto, minhas expectativas para a disciplina, até mesmo antes de ter assistido à primeira aula, foram as melhores; depois, fiquei ainda mais empolgado. Desejo que a História da Medicina me faça tão bem quanto o conhecimento histórico em geral me faz e que realmente me faça conhecer todo o contexto que o meu curso me constrói, lançando toda a riqueza que possui e mostrando que não é menos importante que outras disciplinas pertencentes ao componente curricular.”
Josikwylkson Costa, Terceiro período FCM-CG

Adolfo Lutz

Adolfo Lutz foi um honorário médico e cientista da história da medicina no Brasil, pois contribuiu extraordinariamente para o desenvolvimento da medicina na área de Epidemiologia e na pesquisa de doenças infecciosas. Por isso, Adolfo Lutz é considerado pai da medicina tropical e da zoologia médica em nosso país.

Descendente de uma família suíça tradicional com médicos de grande destaque na Europa, Adolfo Lutz nasceu no Rio de Janeiro em 1855, onde viveu somente seus primeiros dois anos de vida por causa das epidemias que assolaram o Rio de Janeiro naquela época e fez seus pais retornarem para Suíça.

Em 1879, Adolfo Lutz gradua-se em Medicina na Universidade de Berna. Depois de graduado, estudou em grandes centros como Viena, Londres e Paris. Dessa forma, Adolfo Lutz teve oportunidade de estudar com Joseph Lister e Louis Pasteur.

Em 1881, Adolfo Lutz retorna ao Brasil e trabalha como clínico geral na cidade de Limeira, São Paulo, até regressar a Europa para cidade de Hamburgo, onde realizou estudos sobre a morfologia de microorganismos relacionados a doenças dermatológicas, principalmente a hanseníase.

Em 1886, retorna para São Paulo e continua seus estudos sobre a lepra. Contudo, em 1887, deixa novamente o Brasil para trabalhar no Havaí em um leprosário. Já em 1892, Adolfo Lutz volta para o Brasil e é nomeado para dirigir o Instituto de Bacteriologia, este que anos depois seria o Instituto Adolfo Lutz em sua homenagem.

No Brasil e no Instituto de Bacteriologia, Adolfo Lutz realizou diversos estudos importantes de microscopia e bacteriologia, voltados principalmente para etiologia das epidemias mais comuns naquela época. Os surtos epidêmicos constantes naquela época revelaram a importância da bacteriologia na saúde pública e, com certeza, Adolfo Lutz era o médico cientista de maior destaque nesta área com o maior conhecimento e trabalhos publicados. Sendo assim, Adolfo Lutz foi fundamental no desenvolvimento de produtos necessários para a vacinação preventiva e aplicações terapêuticas.

Em 1908, transferiu-se para o Instituto de Manguinhos, chefiado por Oswaldo Cruz, onde continuou suas pesquisas em sua área de atuação até falecer aos 94 anos em 1940.

Podemos destacar entre as principais contribuições de Adolfo Lutz, a sua participação nas pesquisas de Vital Brazil sobre antídotos de picadas de cobra que deu origem a outro Instituto de pesquisa, o Butantan, onde foi desenvolvido posteriormente vacinas e soros. Além disso, Adolfo Lutz foi pioneiro na entomologia (ciência que estuda inseto e sua relação com o homem e o meio ambiente) e, dessa forma, estudou e confirmou o mecanismo de transmissão da febre amarela pelo Aedes Aegypti, este que se tornou um conhecido vetor de importantes doenças em nosso pais. Ainda, Adolfo Lutz identificou a blastomicose sul-americana, descobriu propriedades terapêuticas das plantas brasileiras,

Por tudo isso e pela sua dedicação a saúde pública com sua luta contra epidemias em diversas regiões do Brasil como a cólera, peste bubônica, febre tifóide, malária, ancilostomíase, esquistossomose, hanseníase e leishmaniose, Adolfo Lutz consagrou-se na história da medicina brasileira.

Em 1893, Adolfo Lutz foi convidado pelo governador para ocupar o cargo de diretor do Instituto Bacteriológico de São Paulo, que posteriormente, em sua homenagem, viria a ser chamado Instituto Adolfo Lutz. Como diretor do instituto, Adolfo marcou a história da microbiologia no Brasil e deu grandes prestígios ao Instituto a partir de suas obras, assim como também contribuiu bastante para a formação de outros médicos e pesquisadores.

Desde o início, o Instituto interferiu de forma efetiva na saúde da população de São Paulo, demonstrando logo nos primeiros anos competência no combate a cólera e a febre tifoide na Capital, na eliminação de uma severa epidemia de febre bubônica em Santos e no controle da febre amarela, epidemia que assolava quase todo o território do Estado. Epidemias tão graves que os governos europeus chegaram ao ponto de ameaçar proibir a migração para São Paulo.

E então, o instituto realizou uma pesquisa e revelou que a febre amarela não era contagiosa e que o mosquito era o vetor da doença. A chegada da cólera em São Paulo através dos navios também foi detectada por Adolfo Lutz na hospedaria dos imigrantes e imediatamente o Instituto providenciou as medidas preventivas para evitar que a doença se espalhasse e em dois anos o Estado de São Paulo já estava livre do bacilo.

 Em 1940, o Laboratório de análises que atuava no controle às fraudes e às contaminações de alimentos, se uniu ao Instituto bacteriológico, dando origem ao atual Instituto Adolfo Lutz.

O Instituto Adolfo Lutz é reconhecido por sua capacidade em responder aos incidentes em sua área de atuação. Atua de forma bastante efetiva na promoção da saúde, nas ações de vigilância sanitária, epidemiológica e ambiental, além de desenvolver projetos científicos multidisciplinares.

REFERÊNCIAS:

BEGLIOMIN, H. Disponível em: http://academiamedicinasaopaulo.org.br/biografias/5/BIOGRAFIA-ADOLPHO-LUTZ.pdf. Acesso em: 25 de outubro de 2013.

TUOTO, E. A. Médicos Brasileiros Celebres do Século XIX. Em: Biografias Médicas por Dr. Élvio A. Tuoto (Internet). Brasil, 2006. Disponível em: http://medbiography.blogspot.com.br/2006/05/mdicos-brasileiros-clebres-do-sculo.html. Acesso em: 25 de outubro de 2013.

Adolfo Lutz. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Adolfo_Lutz. Acesso em: 25 de outubro de 2013.

http://www.ial.sp.gov.br/index.php

Medicina na Antiga Mesopotâmia – Autora: Cícera Larissa Pinheiro

Aluna: Cícera Larissa Pinheiro dos Santos

Medicina na Antiga Mesopotâmia

Mesopotâmia ou ” terra entre rios ” é delimitada pelo Rio Tigre se Eufrates, considerada um dos berços da civilização, já que foi na Baixa Mesopotâmia onde surgiram as primeiras civilizações. Por volta do III milênio, Ur, Uruk e Lagash foram umas das primeiras cidades a surgir. Com o decorrer do tempo, o comércio se tornava mais intenso, as comunidades começaram a abandonar o nomadismo, sendo tudo isso importante para o início do processo de urbanização das ditas cidades. Atualmente o território ocupado por essas cidades corresponde ao Iraque.

Com relação aos povos, tivemos os Sumérios e Acadianos (antes de 2000 a.C.), Amoritas (2000 — 1750 a.C.), Assírios (1300 — 612 a.C.) e Caldeus (612 — 539 a.C.). Os Sumérios foram os primeiros a habitar o sul da Mesopotâmia e sua medicina era baseada na astrologia; logo depois os Acadianos dominaram as cidades-estados da Suméria por volta de 2550 a.C.Com a decadência do império fundado por Sargão I, surge o gigantesco império babilônico que teve como um dos membros de maior destaque Hamurabi, que elaborou um código de leis, numa placa de argila em escrita cuneiforme, que ficou conhecido como o Código de Hamurabi; o código trazia trechos relativos ao exercício da medicina, caso um médico perdesse seu paciente, responderia pelos seus erros, tendo também as mãos decepadas. Após a morte de Hamurabi, todo o território Amorita foi invadido por vários povos até ser dominado pelos Assírios; viviam do pastoreio, habitando as margens do rio Tigre. Um dos reis que mais se destacou foi Assurbanípal, famoso pela sua crueldade. Os principais responsáveis pela derrota dos Assírios foram os Caldeus, e Nabucodonosor II foi o soberano mais conhecido dentre esse nobre povo. Nabucodonosor ficou conhecido por construir uma das sete maravilhas do mundo antigo, os jardins suspensos da babilônia. Após dezenas de anos de existência, o Império dos caldeus foi incorporado ao Império Persa.

Muitas das informações disponíveis sobre a história da medicina na Mesopotâmia vêm de tábuas com escrita cuneiforme, que foram desenterradas da biblioteca do Rei Assurbanipal, o último grande rei da Assíria. A biblioteca de Assurbanipal estava alojada no palácio do rei em Nínive, e quando o palácio foi incendiado por invasores, cerca de 20.000 tábuas de argila foram queimadas (e portanto, preservadas) pelo grande incêndio. Na década de 1920, 660 tábuas envolvendo assuntos médicos da livraria de Assurbanipal foram publicadas por Cambell Thompson. As tabuas incluem o Tratado sobre Diagnóstico e Prognostico Médicos, organizado na ordem que vai da cabeça ao pé, com subseções cobrindo doenças convulsivas, ginecologia, neurologia, pediatria, atribuindo as causas e descrições das doenças, sugerindo também tratamentos.

Conceito Mesopotâmico para Doença e Cura

Com relação a religião, os mesopotâmicos eram politeístas, ou seja, acreditavam em vários deuses e que estes podiam praticar o bem ou mal, e eram imagem e semelhança dos seres humanos. Assim como no Egito, a causa da doença estava ligada diretamente ao pensamento sobrenatural; todos os fenômenos estavam subordinados a vontade dos deuses. Os deuses podiam castigar os povos de duas formas: Abandonando-o ou através da punição direta ( praga ou doença violenta, afetando toda a comunidade ). Assim, a doença e cura estavam envolvidas numa complexa relação entre os seres humanos, demônios e deuses; e cada espírito era responsável por uma doença em cada região do corpo. E caso alguém cometera algum pecado, fizesse algo que desagradasse os deuses, por exemplo, os mesopotâmios acreditavam que os deuses deixavam de protegê-lo e seu corpo estaria vulnerável a invasão de demônios e espíritos do mal. O indivíduo podia ser acometido pela doença a nível físico, interno ou psicológico. Como amostra dessas entidades divinas, temos: o Deus mal, o PAZUZU, que representava o vento sudoeste e que trazia as tempestades e a estiagem; e o Deus bom em forma de serpente, NINGHIZIDA.

Profissionais da Medicina na Mesopotâmia

Havia três tipos distintos de profissionais da medicina na Mesopotâmia: Ashipo, Asu e Baru. O Ashipo ou ‘mago’, tinha como principal função não só diagnosticar a doença e determinar qual deus ou demônio estava causando o mal ao paciente, mas também tentava relacionar a doença a algum erro ou pecado cometido previamente pelo indivíduo. O Ashipo também tentava curar/purificar o enfermo através de algum exorcismo, simpatias e encantamentos para expulsar o espírito mal e influências malignas do corpo do doente.

O Asu, considerado especialista em remédios à base de ervas, apelou a um grupo de manipulações físicas, atos cirúrgicos limitados e a administração ou aplicação de receitas, resultantes da mistura de substâncias orgânicas e inorgânicas. Tratava a ferida em três etapas, lavando a ferida, usando compressas e bandagens; as compressas utilizadas pelos médicos sacerdotes da época, parecem ser uma das técnicas mais antigas da ciência médica e uma forma eficiente de tratamento, pois misturas de ingredientes medicinais eram aplicadas a uma ferida e mantidas no lugar por uma bandagem. Uma das mais complexas compressas utilizadas exigia o aquecimento de uma resina de planta ou gordura animal com material alcalino. Esta mistura, quando aquecida, libera sabão, que ajudaria a proteger contra infecções bacterianas.

O Baru, considerado o adivinho sacerdote ou profeta, que ao exame dos órgãos de um animal sacrificado especialmente para o efeito, daria uma decisão final sobre a doença ou no futuro. Geralmente cordeiros eram sacrificados para que a hepatoscopia fosse realizada.

Então, feito uma intervenção específica de um Ashipu (pastor – exorcista), não tendo os resultados, o tratamento foi continuado por o Asu (curador prático). Caso também não haja resultados, os pacientes poderiam ir à busca de um adivinho sacerdote (Baru). Os profissionais também trabalharam juntos, enquanto um diagnosticava o outro tratava. Os papéis de ambos algumas vezes se mesclavam: um asu podia ocasionalmente fazer um encanto, e um ashipu prescrever uma droga, ou seja, já havia desde os primórdios o trabalho em equipe para o tratamento da doença.

Código de Hamurabi

Não sendo a única aplicação da justiça na Mesopotâmica, o código é baseado no princípio de “olho por olho, dente por dente”. Havia várias leis no Código de Hamurabi relacionadas aos cirurgiões. Tais leis afirmavam que o médico era responsável por seus erros e fracassos da cirurgia. Vale ressaltar que, de acordo com tais leis, o pagamento do cirurgião bem sucedido e do mal sucedido era determinado pelo status do paciente. Se o cirurgião salvava a vida de um escravo, ele recebia apenas dois shekels. Entretanto, se uma pessoa de status morresse como resultado de uma cirurgia, o cirurgião arriscava-se a ter sua mão cortada. Se um escravo morresse quando da cirurgia, o cirurgião apenas tinha de pagar para a substituição do escravo.

Mitos e Simbologia que envolve a história da Medicina – Autor: Diogenes Melo

Os mitos são histórias, contos, invenções ou interpretações de eventos e fatos que acontecem numa dita sociedade, recheados de simbolismo e com todo um enredo por traz de uma minuciosa narrativa.

De tal maneira, temos que o mito, muito mais que um reflexo do imaginário popular, é um reflexo das correntes filosóficas do contexto histórico cultural daquele meio naquela faixa tempo-espacial, por isso, o mito não deve ser encarado como uma fantasia esdrúxula da sociedade, mais sim como um fruto de um povo, que buscou nas narrativas uma forma de passar o que lhe era contemporâneo. Narrativas estas que persistem ao longo das gerações.

A medicina, como toda e qualquer ciência, possuí uma vasta e rica história, e nesta estão tatuados uma infinidade de mitos que conotam toda uma simbologia peculiar a essa ciência. Nesse texto, tentarei abordar de forma sucinta os principais mitos que envolvem os maiores símbolos da medicina.

O Mito de Asclépio

Asclépio para os gregos, Esculápio para os romanos, esse era o nome dado do deus da medicina. Filho de Apolo, Deus do Sol e da Música, com a ninfa Coronis, Asclépio nasceu de uma cesariana após a morte de sua mãe. Asclépio foi criado pelo Centauro Quíron, que era mestre na arte de curar e treinar guerreiros – Aquiles, da Guerra de tróia, foi treinado por Quíron. Este ser mitológico, metade homem metade cavalo, foi responsável por passar os ensinamentos médicos e curativos para o menino Asclépio.

Asclépio possuiu alguns símbolos importantes que valem a pena serem abordados. O Galo, a Serpente, a Cabra e o Cão. O Galo representa a chegada do alvorecer, do raiar do dia, que conota a chegada de Apolo. A Serpente representa a renovação, a vida eterna, pelo fato deste animal poder trocar de pele com frequência. A Cabra representa a nutrição, que todo médico tem como função, não de alimentar apenas de forma física, mas principalmente de forma espiritual as almas sedentas por consolo e palavras de conforto. O Cão representa a fidelidade, fidelidade de um animal que é o melhor amigo do homem, assim como o médico é o melhor amigo do enfermo, pois é no medico que o enfermo confia a sua vida e por esse motivo deve ser fiel e leal ao doente.

O jovem médico, Asclépio, começar a curar as pessoas, e suas habilidades chegam a tal ponto que ele passa à ressuscitar pessoas, algo que desagrada muito Hades, Deus do mundo dos mortos. Por infringir os limites entre a vida e a morte, Asclépio teve sua vida ceifada.

Desde então, o dia 18 de outubro é referenciado como o dia de Asclépio,o dia do médico.

Neste mito temos também o porquê da constelação de Sagitário ser símbolo médico também. Isso se dá por essa constelação representar o centauro Quiron.

Quiron foi atingido acidentalmente por uma flecha que continha na ponta veneno de hidra, veneno esse que impossibilita a cicatrização. Logo, ele fica com uma ferida que nunca irá curar. Muitos falam que Quiron é o melhor médico, pois este representa o médico ferido, é o bom médico só será bom de fato quando tiver vivido o outro lado, o lado do doente.

O Mito do Caduceu de Hermes

Na Grécia antiga, Hermes é tido como o mensageiro dos deuses do Olímpio, protetor dos ladrões, comerciantes, charlatões. Além disso, Hermes era quem levava os mortos para o submundo, governado por Hades.

O mito tem origem com Hermes roubando vacas de seu irmão Apolo, inicia-se assim uma intensa desavença entre eles que se faz necessário a mediação de Zeus para apaziguar a situação. Como uma forma de selar a paz, Hermes faz uma harpa de casco de tartaruga e tripas de boi e presenteia Apolo, em troca, Apolo que lhe dá o caduceu. Caduceu que posteriormente ganhas às asas simbolizando a rapidez com que Hermes conduzia as mensagens, tanto é que quando o Império Romano subjuga o Grego o nome de Hermes passou a ser Mercúrio. O planeta Mercúrio também tem esse nome por ser o com a translação mais rápida do sistema solar.

Através de associações equivocadas, o caduceu de Hermes é utilizado como símbolo médico. Tanto por causa do deus egípcio Thoth quanto pelo uso do caduceu em campos de batalhar, o símbolo foi confundido como algo equivalente ao bastão de Asclépio. Resultado foi que o símbolo passou para a alquimia, depois para a farmácia e veio parar na medicina.

Associar o caduceu com a medicina é muito mais que uma gafe, é um desrespeito. É uma forma ruim de exercer a profissão, utilizar o mesmo símbolo dos ladrões, dos traficantes, dos meliantes, dos charlatões… Como confiar a saúde a um profissional que usa um símbolo de um deus grego que conduz os mortos para o submundo? Isso motivo de  receio e desconforto para o paciente.

Caduceu Babilônico

Outra grande história relativa a um Caduceu é a epopéia de Gilgamesh, que acontece na Mesopotâmia. Gilgamesh era um guerreiro, personagem principal de uma grandiosa história na qual ele tinha que realizar diversos trabalhos, algo parecido com os trabalhos de Hércules, com a finalidade de vencer a morte.

Para vencer a morte, Gilgamesh tem que mergulhar até o fundo do rio dos mortos para pegar a flor, que quando ingerida, lhe garantiria a vida eterna. O herói consegue, depois de muito trabalho, pegar a dita flor, e cansado, no final do trabalho, decide descansar ao lado de uma árvore. É quando aparece uma serpente e come a flor da imortalidade, e a partir desse momento passa a troca de pele, característica que a faz ser símbolo do rejuvenescimento, da esperteza e longa vida. Gilgamesh ao acordar e ver o fato começa a chorar.

O drama e o dilema de nosso guerreiro só aumenta quando seu parceiro de batalha, Enkidu, morre. Gilgamesh então vai buscar respostas para o que ele tanto procurou, a imortalidade, nas palavras do sábio imortal do dilúvio, o Utnapishtim, e tem escuta:  “A vida que você procura nunca encontrará. Quando os deuses criaram o homem, reservaram-lhe a morte, porém mantiveram a vida para sua própria posse.”

Fontes:

Santos Filho L. História Geral da medicina brasileira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1991.

História da Medicina – Autora: Keoma Mariz

Quando nos foi dado o aviso de que algum texto nosso poderia ser publicado no blog de História da Medicina criado por alguns membros do atual terceiro período, não pensei em ser uma das concorrentes já que, de início, confesso, não via o menor sentido em pagar esta disciplina diante de tanta pressão que nos é feita em outras como, por exemplo, Anatomia e Fisiologia.

No entanto, minha visão sobre o assunto mudou quando tive que, obrigatoriamente, estudar para a primeira avaliação.

Resolvi, portanto, não apenas concorrer à condição de publicar um texto, mas explicar os motivos pelos quais eu modifiquei minhas ideias acerca da disciplina. Então, permitam-me ter “licença poética” para falar em primeira pessoa e perdoem-me por não ter escolhido um tema específico para discorrer.

Conhecer o significado do bastão de Asclépio e o R cortado que são utilizados em jalecos e receitas médicas, respectivamente, me fez refletir um pouco sobre como a história está presente em toda parte e tantas vezes passamos alheios a ela.

Entender o sentido do mito do Quíron ferido me fez rememorar que um dos motivos pelos quais eu escolhi seguir a carreira médica foi o fato de já ter “sentido na pele” o quão frágeis física e psicologicamente algumas doenças nos deixam.

Conhecer a relevância que Hipócrates teve na construção do protótipo de Medicina que hoje se busca, me fez valorizá-la ainda mais como arte antes de enxergá-la apenas como ciência.

Ler o diálogo entre o já renomado médico Thomas Sydenham e o então estudante Richard Blackmore sobre iniciar o estudo da Medicina através da leitura do livro Dom Quixote de La Mancha, de Cervantes, me fez perceber que o que me incita a continuar fazendo este curso é o desejo constante de humanização em saúde e de indignação contra as injustiças que possam parecer mais pueris.

Sem mais delongas, encerro com um trecho da música “O mundo é um moinho”, do grande Cartola que, a meu ver, alude um pouco ao sentido de que tudo passa e acaba se tornando história : “Em cada esquina cai um pouco a tua vida, em pouco tempo não serás mais o que és”.

Sob essa perspectiva, se alguém no mundo – nem que seja apenas uma pessoa -, conseguir, assim como eu, alterar sua ótica negativa sobre a História da Medicina, este texto já terá valido a pena.

Keoma Mariz, 02-11-2013.

A medicina como arte – Autora: Nathallya Pessoa

Falar que medicina e humanismo devem caminhar de mãos dadas é encarado como um pleonasmo. A medicina é uma prática que leva em seu caráter a subjetividade e a capacidade de lidar com o ser humano. Muito mais do que um diploma, ser médico é conhecer a pessoa a qual está sentada em sua frente à procura de cuidados, cuidados esses não só técnicos como psicológicos. O médico deve ter conhecimento não só sobre órgãos, fisiologia, patologias e farmacologia, é necessário o conhecimento do contexto sociocultural em que seu paciente está inserido, como também o conhecimento da história que compõe a sociedade médica a qual pertencemos.

Entender a mente humana é algo visto com muita complexidade. Parafraseando Hipócrates, considerado o pai da medicina, “é mais importante conhecer o doente do que o tipo de doença que ele sofre”. A base do cuidado está na confiança e ambos compõe os preceitos da medicina. Ser médico é ser pai, mãe, irmão e todos os integrantes familiares ao mesmo tempo. É conhecer pelo nome e não por números em prontuários, tratando-os com respeito. Ser médico é aprender a decifrar o corpo de forma subjetiva, correlacionando o psiquico com o físico. Ser médico é ser perito em sentimentos, doenças, cultura, olhar, atitudes e posturas que nos informam algo que tecnicamente não se pode ser colhido em um frasco e colocado em um fixador para análise: o pensamento.

A arte de entender o paciente está se tornando cada vez mais obsoleta. São poucos os médicos que mediante a tantas tecnologias procuram afundo entender o subjetivo de uma mente humana, deixando de lado o bem estar emocional, esquecendo-se que o núcleo da relação médico paciente era, e sempre será, o bem, devendo todos guiar-se pelo amor ao homem e o amor à sua arte.

Fazer medicina é uma ação que exige responsabilidade não só para com a vida do agente como para com a vida de outras pessoas. Já ser medicina está em outro patamar. Atuar com a vida durante toda uma vida é viver várias vidas ao mesmo tempo, exigindo do médico paciência, dedicação e respeito por ela, e muito mais é exigido daqueles que caminham na graduação.

É dever dos professores deste curso ensinar aos alunos não só o conhecimento cientifico, mas ensinar como lidar com outro ser humano. Para ser médico é necessário que sejamos também pacientes. Parafraseio mais uma vez o então renomado Gregório de Matos em que dizia:

“O todo sem a parte não é todo,

A parte sem o todo não é parte,

Mas se a parte o faz todo, sendo parte,

Não se diga, que é parte, sendo todo.”

Ser especialista atualmente é um requisito bastante desejado pela maioria dos estudantes que venham a se formar neste curso, escasseando-se cada vez mais os clinicos gerais. Esse fato tem permitido que muitos médicos passem a ver seus pacientes apenas como uma unha do dedo “mindinho” do pé esquedo, por exemplo, ponto importante e que caracteriza o distanciamento do conceito defendido na relação médico paciente.

O dever do médico não é vencer a morte, pois se trata de um fim inevitável para todos. É dever do médico propiciar saúde e conforto prolongando a vida, não sozinho, mas em conjunto com o seu próprio paciente, necessitando com isso de sua confiança. Logo, é necessário fazer jus ao Juramento de Hipócrates que proclamamos na solene formatura levando consigo os conceitos de honestidade, humildade, caridade, descrição e englobando para seu caráter o conceito moral de ética.

Aluna: Nathallya Pessoa – 3º Período de medicina